EU NÃO MATEI SALOMÃO HAYALLA

Para Rui Minharro.

Peça de ato único escrita por
Carlos Fariello + Marcelo Mansfield

(O cenário é, basicamente, um velório composto por um “panô” onde se vê o desenho horizontal do ator num caixão de defunto. Ao lado do palco, uma coroa de flores com os dizeres “Saudades - Esposa e filhos”. Meia-luz , velas por toda a parte, som fúnebre e uma lista de presença na entrada da sala. Ao final da música, ruídos de carro correndo, brecada brusca, barulho de batida, gritos de sirenes).


OFF 1 (DENISE FRAGA): Eu vi tudo... eu vi... Ele vinha andando pela calçada... lendo um jornal, calmamente, como se nada fosse acontecer... Começou a atravessar a rua... lendo ainda. Tava completamente concentrado no jornal quando, de repente, ao atravessar a rua... lendo ainda... uma Kombi cinza-metálica com um logotipo redondo, azul, veio a toda... a uns 200 por hora... Ele atravessando, a Kombi vindo... Ele lendo, a Kombi correndo e... PÁ! Eu até ia gritar prá ele perceber o perigo, mas se eu gritasse eu poderia perder algum detalhe da cena... O carro tentou desviar, eu tentei gritar, ele tentou correr... mas não adiantou nada... era tarde demais prá voltar atrás... A Kombi bateu nele, jogou ele longe, matou o moço... coitadinho!

-Tô bonitinho, né ? Mamãe sempre disse que eu era muito mais fotogênico deitado do que em pé. É, acho que ela tinha razão. Que loucura!! Sensação estranha essa de estar morto. Eu me sinto tão vivo, tão leve, é como se eu tivesse passado o dia inteiro a base de frutas.

Morto... Morto... palavra estranha: morto. Verbo transitivo direto, pretérito simples... Só que morto não é verbo... Atropelado por uma perua do Globo?!

Eu já conheço esse lugar...já estive aqui várias outras vezes em vida. Quantas e quantas pessoas eu já não velei exatamente aqui? Família grande, todos tão velhinhos. Foi um morrer e, pá!, um atrás do outro, efeito dominó...

Aqui mesmo já foram velados Tio Georges Arnauld, Tia Christiane Rochefort, Tio John Le Carré e Tio Guy de Maupassant, Tia Daphne Du Maurrier, Tio Vladimir Nabokov e até a prima Lolita, coitadinha... essa não emplacou: nasceu morta. Teve seu último adeus aqui, primeiro e último adeus aqui nesse velório. Velório... palavra estranha: velório. Seria velório um substantivo abstrato? Vamos deixar essa perguntinha no ar?

(Vai para a direita do palco, numa janela imaginária. TEMA LENTO)

Ah... dessa janela, dessa janela eu posso avistar famílias inteiras. Famílias, tumbas, mausoléus, jazigos, campas, covas, catres, cafofos, gavetas de indigentes, garimpeiros de dentaduras, baratas... nossa quanta barata tem aqui... olha lá! “Aqui jaz Petrônio Bertolim e Família”, continuam lá, quietinhos. Família unida: um em cima do outro. Parece um Pão Pullman. A “Alaíde” do Nélson Rodrigues já dizia que o morto é bom porque a gente põe num lugar e quando volta ele está lá, na mesma posição. Exceto, é claro, gente cataléptica...cataléptica?  (Mira-se no caixão) Vamos mudar de assunto?

Ah... o bom e velho Bertolim... quantas longas conversas já tivemos eu e você, no passado, enquanto eu esperava a saída do próximo enterro. Pois é, aqui estou eu de novo. Agora é a minha vez! Bom... pelo menos eu não vou mais ter que tomar os cafés frios dos velórios... (Muda o clima)  Aliás, eu não vou ter que fazer monte de coisas chatas: não vou ter que pagar IPMF, IPTU, ICMS, ISS, RPM, TPM, RFFSA, DM-9, W-Brasil... Eu não vou mais ter que me preocupar se eu vou encontrar o carro onde eu deixei... Eu não mais ter que usar camisinha  (para a platéia) -  a senhora quer sexo mais seguro que o sexo dos anjos?! Epa... mas será que existe reencarnação? Será que existe vida após a morte? Será que eu desliguei a gás antes de sair de casa? Ou será que tudo isso não passa de um blefe? Sim, porque se tudo isso não passar de um blefe... ah, não! Será que eu vou ter que fazer de novo o “Encontro de Jovens com Cristo”? Passar mais um ano no Exército? Pagar outro carnê do Baú? Não, isso é a morte! Ah eu não quero nem saber quem vai tocar a rumba. O que eu quero é chacoalhar a minha maraca.

(Declamando com muita canastrice) “Ao Verme, que primeiro roeu as frias carnes de meu cadáver, dedico, com saudosa lembrança, estas Memórias Póstumas”! Ah, Machado de Assis... grande Machadão!!

Tô me lembrando a minha primeira vez... nesse velório. Tio Flaubert tinha acabado de morrer de cirrose hepática, morte aliás das mais esperadas. Eu estava com 6 para 7 anos e Tio Flaubert devia estar com uns 600 prá 700... Ele era um ator de teatro fracassado que nunca deu certo na carreira... Pensando bem, nem na vida... Aliás, na morte também não, nada funcionou direito no seu velório: o órgão enguiçou, o tule rasgou, a empada acabou, as flores murcharam... Choveu!

Tia Madeleine, ao chegar com sua costumeira Fé Cênica e seus anos de teatro rebolado, se atirou com tanta violência em cima do féretro que uma das velas foi parar em cima da sua peruca. Ela levou um susto tão grande, deu um pulo tão alto que o caixão balançou, começou a escorregar de cima da mesa e por pouco, mas por muito pouco, não levou Tio Flaubert ao chão algumas horas antes. Ufa, que susto!

Tava tão cheio esse velório, todo mundo falava tanto e tão alto que eu acho que o único que se comportou direitinho foi o próprio Tio Flaubert!  (Pausa) Tadinho, o único dia de casa cheia que ele teve na vida foi na morte.

Tio Flaubert era tão inseguro! No palco então, nem se fala. Ela sempre contratava claque paga. No seu enterro havia pelo menos quinze carpideiras, todas sindicalizadas.

Agora, prá mim, prá mim, Tio Flaubert era, no mínimo, o máximo! Grande ator... (susurrando) Bicha... Ele tinha uma leitura dos personagens tão fantástica... ele mantinha um distanciamento “brechtiniano” tão profundo...  (Para a platéia) Quer um exemplo? Dom Ratão em “O Casamento de Dona Baratinha”, magistralmente interpretado. Levava as crianças embevecidas da platéia a gritarem “Bravo”, “Bravo” por mais de dez minutos a fio ! E todo mundo aqui sabe que criança gritando, esperneando e cuspindo da platéia, aos sábados a tarde, é a maior glória do teatro infantil. Levou um APETESP naquele ano.

Tio Flaubert era do tempo em que teatro era escrito com “TH”. Não a teatro de hoje! Sim, porque o que não se tornou o teatro hoje em dia?  Um bando de atores pedindo permuta em restaurante! E olha, quanto mais famoso o ator mais se divide o prato... Fernanda Montenegro... me falou na semana passada que já viu dividirem em oito !

É Tio Flaubert, o primeiro velório é que nem a primeira permuta. A gente nunca esquece!

Foi também a primeira vez que eu faltava na escola de método Montessóri, só prá velar alguém. Eu faltaria muitas outras vezes para ir ao cinema ou, então, para ficar assistindo “A Feiticeira” pela TV quando não tinha ninguém em casa. Eu adorava a Endora. Eu sempre pensava: “O dia em que eu tiver uma filha, vai se chamar Endora !”.
(Tristíssimo)  A filha não veio... Adeus Endora... Adeus Samantha, adeus James, adeus Abner... Adeus Sra. Kravitz, Massivo, adeus mundinho...
Adeus Pedrita, adeus Bam-Bam... Bam-Bam, nome estranho: Bam-Bam.

Bem, talvez por causa da bendita Endora, ou talvez por causa do bendito Tio Flaubert e seu enterro pirotécnico, eu tenha descoberto a minha real vocação: Criticar! Profissionais dos palcos e das telas, ou não! Através dos anos, eu percebi também quantos atores estão realmente mortos em cena...Tônia Carrero... me passou um fax na semana passada que dizia a mesma coisa, tim-tim por tim-tim...

(Olha para o caixão e grita de susto)
Mas roupa mais ridícula foram me colocar para o enterro!
Qual foi a cabeça desprivilegiada que foi colocar essa coisa Chapolin Colorado em mim?! Isso só pode ser coisa da prima Dalidá! Dalidá... Dalidá... Dalideu feito uma louca e fica pirando em cima do enterro dos outros! Sempre tão moderna, tão fervida a desgraçada... Morfética! Tinha que me colocar essa coisa assombrosa? Em vida, eu não usaria uma coisa dessas nem morto... Morto! (Chateado)  Eu exijo respeito para comigo... Eu acho que eu merecia estar vestido de forma mais adequada em meu ataúde, em minha esquife, em minha urna funerária, por quê não dizer ?

Dalidá! Rainha da escoliose! Ela tem a coluna tão torta que, quando trepa, deve trepar assim... (Mostra). Aposto que, se dependesse dela, estaria tocando Madonna no meu velório (Ouve-se a frase principal de “Erotica”). Ora, quer saber? Eu não sei nem de quem é a porca, o que eu quero é rosquear o meu parafuso.

Olha lá, por falar em prima, lá vem a politicamente correta prima Maria Callas... deixa eu disfarçar. 

OFF 2 (YARA JAMRA): Ah, pobrezinho do primo... tão jovenzinho, tão querido, tão fofo! Que pecado morrer atropelado dessa maneira, tinha um futuro inteiro pela frente. Não deu nem tempo de um bate-bola, um jogo rápido, um chega-pra-cá com ele... Olha só que fisionomia mais calma, serena, tranqüila... Parece até que tá dormindo!

Mas que mania as pessoas tem de dizer isso! “Parece que o morto tá dormindo”. Tá morto, oras! Morto, do verbo “morrer”. Morrer, do latim vulgar “Morrere”: perder a vida, falecer, finar-se, expirar, perecer, eu não tô legal... (Dramático)  Eu... não tô... legal!

(Voltando-se para o caixão, percebe raivosamente as moscas ao seu redor. Começa a abanar com um leque sua própria imagem)

Moscas !?!? Me possuindo !?!? Por trás, pela frente... Isso é demais. Eu não tenho que vivenciar, viver, experimenciar esse tipo de coisa ! É muita humilhação !

Será que ninguém aparece com um “Rodox Múltiplo”, uma bomba de “Flit”, um “SBT - Terrível contra todos os insetos”, ou até mesmo um “Bom Ar - Ação Prolongada...gada...gada...gada... É demais não me respeitarem nem depois de morto. Morto, Eu !???

Morto, sim. A gente tem que se assumir... Eu sabia que não era eterno... que eu morri é obvio... é óbito! O Óbito é óbvio... óbvio... que palavra mais estranha: óbvio...

(Se tocando) Não... peraí... Eu preciso pensar no que foi que aconteceu. Eu estava andando, calmamente pela rua, lendo a minha última crítica. Eu estava bem, estava são, eu estava total... então, lentamente, ao atravessar a rua... (eu me lembro muito bem desse momento: a coisa do atravessar a rua, do “across the street”, do “straigth up to...”) um perua da Globo veio e... Joana FOOOM, Ricardo BLAT, Norma BLUM, Aracy BALABANIAN... e eu já era!

(Super triste e derrotado) Eu não merecia ter morrido assim!
(Declamando dramaticamente) “Não poderás escolher sua morte. Morrerás uma morte qualquer!”

Aliás, muito sintomático isso, não? Eu, um crítico de TV, atropelado e morto por uma perua da Globo ! Perua... da Globo...? Cláudia Raia... sempre me disse que elenco e técnica fazem milhares de quilômetros dentro de uma Kombi durante as gravações de uma novela... Novela? Novela... novelo, o desenrolar de uma trama...


(DRASTICAMENTE)  Não... não, não, mil vezes não... Eu não podia Ter morrido hoje... Como é que eu fui morrer justamente no dia do último capítulo da novela “O Astro”!???

(Música-Tema: “Bijouterias”, de João Bosco)

 “MINHA PEDRA É AMETISTA...”    
-E a minha é um mármore.
“O MEU CORPO, AMARELO...”
-E eu tô bege.
“MAS SOU SINCERO: NECESSITO IR URGENTE AO DENTISTA...”
-Vai fundo, meu querido.
“TENHO ALMA DE ARTISTA”
-Que bom prá você.
“E TREMORES NAS MÃOS...”

(Música vai caindo em fade out. Ator sente suas mãos tremerem descontroladamente. Pensa em Janete Clair)

Mas... será que ela já morreu? Não, como é que ela ia morrer antes de matar o Salomão Hayalla? Quem matou Salomão Hayalla? Eu não fui! Ai, tá tudo meio confuso. Será que eu não tô passando pela tal fase de perturbação “pós-mortem” que os espiritualistas tanto falam? Quer saber? Eu não quero nem saber se o pato é macho, o que eu quero é comer o ovo!

(Pasmo)  Gente, agora que eu morri, qual vai ser a “jacira” que vai tomar o meu lugar no jornal? Leão Lobo... sempre me disse que eu era insubstituível! E eu tenho que confiar no Leão, afinal as milhares 61, 62 63 e 64 sempre foram os meus números de sorte. Se bem que eu sempre preferi um bom 69! Tudo bem, podem ficar com meu emprego, eu já não tenho mais um corpo que ocupe um lugar no espaço mesmo...

Mas uma coisa eu levo comigo: poucos críticos criticam de forma tão crítica quanto eu critico... ou criticava. Situação crítica para um crítico... Mas comigo é assim: Deus no Céu, Zé Simão na “Folha”. (Declama)  “Fervet Opus”: O trabalho ferve!

Mas como eu ia dizendo, este corpinho - mignon e dissoluto - deixa a cena dos reles mortais.

(Vai saindo, pára e volta) Por falar em corpinho, será que vão me cremar?! Vila Alpina, não! (Se tocando desesperadamente) Gente, cadê meus órgãos? Será que doaram meus órgãos?

Meu fígado, meu baço, meu rim... meu... sexo!? “Doe seus órgãos senão a terra há de comer”. “Se o homem não come, a terra come”. Que momento funesto este, não? Coisa da prima Dalidá, aposto!

(Declama) “Tinha a face na mão. E a mão no tronco de um fúnebre cipreste, que espalhava sua melancólica sombra”.
Quanta gente! Isso tá parecendo uma festa! (Trilha - sons de festa) Será que esse povo sente mesmo a minha perda? Ou só veio até aqui prá ter certeza que eu morri mesmo? Olha só, aquele grupinho de atores que eu sempre critiquei. Muito falsos em virem até aqui. Aposto que sempre sonharam me ver afundando sepultura abaixo. Deixa eu ouvir o que eles tanto falam.

OFF 3 (FELIPE FOLGOSI):  TEXTO (?)
   
Tão bonitinho, tão famosinho, tão evangélico e, ainda por cima, bem humorado. Também, com 20 anos... Quando você tem 20 anos, você acorda lindo. Depois dos 35, você reza prá não acordar. (Muda o foco) Olha lá, aquela gostosona... (Bravo) O quê??? Dando entrevista no meu velório?

OFF 4 (GIOVANNA GOLD)

GG - Pois é, meu amor. Eu fico tão sacudida o dia todo que, a noite, é difícil prá “euzinha” driblar a insônia...

- Me dribla todo, gostosa, que com você eu só faço gol !

GG - Outro dia eu agrdeci aos deuses por ter um velório durante a madrugada... Tia Natalie era uma pessoa bastante rígida. Especialmente morta, ficou mais rígida ainda..
- Rígido vai ficar você sabe o quê, gostosa... Ué, mas por quê será que eu não tô me excitando? Será que realmente anjo não tem sexo?

GG – Ora, imagine! Eu não durmo nua, não! A verdade é que eu sempre uso pijamas um número menor só prá ter a sensação de alguém me apertando!

- Pois eu te aperto toda ! (Tenta, mas não consegue) Meu Deus, Meu Deus...

GG - Eu, deitar num sofá? Mas que coisa mais “deplacê”! A única análise que eu fiz na vida, meu amor, foi a sintática...

- Dando pinta no meu funeral !? Funeral, que palavra estranha: funeral... Funeral, do latin “funus”, “éris”: enterro, préstito fúnebre, inumação, mortório, saimento.

(Reparando no velório) Tanta gente badalada aqui... Só não estou vendo as parceirinhas... Também, eu nunca soube quem é  Claudete e quem é Ione. Acho que nem elas mesmas sabem! Será que essa gente toda está no velório certo? Ou será que tem algum famoso viado sendo velado no velório vizinho? Vou. Vou ver a lista do mortuário de hoje. (Entra música - “Chariots of Fire”. Ator pega a lista de presença e lê os nomes de pessoas da platéia)
Deixa eu ver que morreu hoje...

Ora, quer saber do que mais? Eu não quero nem saber de quem é o caixão, o que eu quero é segurar a alça!
(Para o caixão) Aí, hein amigo? Abotoaste o paletó de madeira? Bateste as botas? Mergulhaste a sete palmos? Foi prô andar de cima? Caiu em desuso? Adormeceu no Senhor? Assentou o cabelo? Bafuntou geral? Bateu a alcatra na terra ingrata? Foi desta prá melhor? Largou a casca? Pitou macaia? Virou presunto? Bateu a caçoleta, a canastra, a pacoeira, o pacú? Entregou a rapadura? Se desintegrou beleza? Tá se desmontando? Seu mundinho caiu, é? É... acho que eu tô virando alma penada!

(Reparando nas flores) Ei, que flores são essas? Coroa de flores é muito cafona. “Saudades da Esposa e Filhos”? Eu nunca fui casado, nunca tive filhos, aliás eu até pendia um pouco pro homossexualismo! Não... peraí, eu explico: é que a única mulher que realmente me deixou de quatro, eu descobri na hora que não era mulher. Ô amigo, essas flores não são prá mim não, erraram de cadáver, devem ser pro... (diz um nome da lista do mortuário) Ah, essa gente é de morte! Morte, do latin: Morte. Substantivo feminino. Ato de morrer, o fim da vida animal ou vegetal; termo, fim, destruição, ruína. Morte agônica: oposto de morte súbita. Morte civil: perda dos direitos e regalias sociais. Morte cósmica, morte térmica. Térmica? Amigo, você me vê um cafezinho, por favor.

Peraí... se eu tô morto, eu quero falar com “Jesus”. Ah, eu quero, sim. Eu vou chegar bem nas barbas dele e vou dizer assim: “Jesus, eu não tô pronto prô limbo, prô éter, prô além. Eu tô num momento muito “o céu se enganou”, a nível de “o céu pode esperar”. Que ama não mata, cara! Me deixa, me solta, me larga, desata-me!

Ih, acho que um espírito baixou em mim. Aiii, meu Deus, e se “Jesus” vier me cobrar aquela promessa que eu não paguei? Eu vou ter que parar de fumar? Deus, acabou o meu cigarro. Ahhh não, eu não vou agüentar uma eternidade inteira sem fumar... (Grita) “Jesus”... “Jesus”... eu chamo e ninguém me responde... Eu sempre pensei que, quando eu morresse, todo mundo que tivesse morrido antes viria me recepcionar! Isso faz pensar! Cadê vovô Gerrard? Cadê vovó Helène? Cadê Elvis que se “Presley”? E o canastrão do tio Flaubert onde foi parar? Cadê Napoleão, Santos Dumont, Tomas Edison? A escrava Isaura, cadê? Onde enfiaram tanta gente morta!? O céu é o limite? Casa de ferreiro, espeto de pau? Maguari, Maguari é o suco? Cadê todos santos, os anjos, os arcanjos. As paquitas?

Será que Deus não existe? Será que aquele ditado que diz que Deus está dentro de nós é mesmo verdade? Então, não existe o velhinho de longas barbas e cabelos brancos? Seria Papai Noel o verdadeiro Deus? Deus num trenó, puxado por um monte de viadinhos... não... Será que eu fui enganado o tempo todo? Cadê todo mundo? É assim que caminha a humanidade, completamente só? Ai eu tô enlouquecendo, eu tô virando uma Cássia Kiss...

Parei com tudo, cansei de tudo... ”Jesus”... eu vou te dar mais 5 segundos. Vou contar até 3: 1, 2, 3. Tudo bem, tudo bem, não quer aparecer não aparece. Eu vou ficar aqui...

(Tempo) “Jesus”, posso fazer meu último pedido? Eu queria fazer a minha última crítica, a derradeira... (Tempo) Quem cala, consente.

(Rapidamente, pega um aparelho de TV, liga-o e critica algum programa. Improvisação do ator. Ao final da crítica, desliga o aparelho)

Chega, tô cansado, tô esgotado, tô morto... Morto eu ?

(As portas laterais do palco se abrem, uma luz forte e fumaça atingem o ator. Ouve-se o tema  “Velhos e Jovens”, de Adriana Calcanhoto)

(PROFUNDO) O Paraíso: as portas, a luz, a fumaça... Quer lugar mais comum? (SAI CORRENDO) Taxi!!!!!!!!!!!


FIM