TÔ MORTO!

SIM, morto!

Não no sentido figurado da palavra. Tô morto mesmo, eu morri... 

E agora, enquanto aguardo meu funeral, me vejo nesse cemitério em meio a tumbas, mausoléus, jazigos, campas, covas, catres, cafofos, gavetas de indigentes, garimpeiros de dentaduras... Corpos ao lado de corpos. Parece um Pão Pullman.

Funeral... do latin “funus”, “éris”: enterro, préstito fúnebre, inumação, mortório, saimento.

Estou a um degrau de me tornar um ser espiritualmente mais elevado. Ih, não vou mais poder trepar? Ora, tudo bem, quer sexo mais seguro que o sexo dos anjos?!

Lembro-me bem desse lugar. Estive aqui no funeral do tio Flaubert, um ator meio fracassado... Nunca ganhou um prêmio, só duas ou três permutas! Nada funcionou direito no seu velório: o órgão enguiçou, o tule rasgou, a empada acabou, as flores murcharam... Choveu!

Estava tão cheio esse velório, todo mundo falava tanto e tão alto que eu acho que o único que se comportou direitinho foi o próprio tio Flaubert! Tadinho, o único dia de casa cheia que ele teve na vida foi... na morte.

Ah, to me cansando de ouvir esses seres vivos comentando: “Parece que o morto tá dormindo”. Dormindo? Tô morto, oras! Do verbo “morrer”, do latim vulgar “morrere”: perder a vida, falecer, finar-se, expirar, perecer.

A gente tem que se assumir... Eu sabia que não era eterno. Que eu morri é obvio... é óbito!

Que pena: um crítico de TV como eu, atropelado e morto por uma perua da Globo! Perua da Globo? Ops, me lembrei de Cláudia Raia...

Como isso veio a acontecer? Eu, vivo ainda, caminhava calmamente enquanto lia no jornal minha última crítica. Ao atravessar a rua, um perua da Globo veio e... Joana FOOOOOOM, Ricardo BLAAAAAT, Norma BLUUUUUM, Aracy BALABANIAN... e eu já era! Já fui!

Agora que eu morri, qual vai ser a jacira que vai tomar o meu lugar no jornal? Jacira? Ops, lembrei de Leão Lobo que disse que eu era insubstituível! Será que eu não tô passando pela tal fase de perturbação “pós-mortem” que os espiritualistas tanto falam?

Uma coisa eu levo comigo: poucos críticos criticam de forma tão crítica quanto eu critico... ou criticava. Situação crítica para um crítico... Mas comigo é assim: Deus no Céu, Zé Simão na “Folha”.

Quando você tem 20 anos, você acorda lindo. Depois dos 45, você reza pra não acordar.

Moscas? Inadmissível! Que alguém apareça com um “Rodox Múltiplo”, uma bomba de “Flit”, um “SBT - Terrível contra todos os insetos”, ou até mesmo um “Bom Ar - Ação Prolongaaaaaaaaaaada... É demais não me respeitarem nem depois de morto.

Será que essa gente toda está no velório certo? Ou será que tem algum famoso viado sendo velado no velório vizinho?

Abotoaste o paletó de madeira? Bateste as botas? Mergulhaste a sete palmos? Foi prô andar de cima? Caiu em desuso? Adormeceu no Senhor? Assentou o cabelo? Bafuntou geral? Bateu a alcatra na terra ingrata? Foi desta prá melhor? Largou a casca? Pitou macaia? Virou presunto? Bateu a caçoleta, a canastra, a pacoeira, o pacú? Entregou a rapadura? Se desintegrou beleza? Tá se desmontando? Seu mundinho caiu, é? É... acho que eu tô virando alma penada!

Morte agônica: oposto de morte súbita. Morte civil: perda dos direitos e regalias sociais. Morte cósmica, morte térmica. Térmica? Ah, preciso de um café!

E se “Jesus” aparecer me cobrando aquela promessa que eu não paguei, eu vou ter que parar de fumar? Sou completamente incapaz de agüentar uma eternidade inteira sem cigarros!

Eu sempre pensei que, quando eu morresse, todo mundo que tivesse morrido antes viria me recepcionar! Isso faz pensar! Cadê todos santos, os anjos, os arcanjos, as paquitas?

Preciso sair daqui.

TAAAAAAAAAAAXI!!!