(Noiva esbaforida entra em cena)
Vocês já ouviram falar no filme “Noiva em Fuga”? Aquele com a
Julia Roberts? Eu estou a própria, apesar de não ser assim tão parecida com
ela... Eu acabei de abandonar a festa do meu casamento. Sim, porque se existe
realmente a tal Lei de Murphy - aquela que diz que tudo o que pode dar errado
VAI DAR, hoje ela baixou de frente na minha vida!
É o seguinte... deixa primeiro eu me apresentar... Meu nome é
Madalena, eu sou enfermeira e, como quase toda mulher, sonhei a vida inteira
com o dia do meu casamento. Sonho que teve fim HOJE, agora a pouco! Seguinte:
desde o dia em que Luís Otavio me pediu em casamento HÁ 17 ANOS ATRÁS, eu
comecei a planejá-lo.
Durante esse tempo todo, eu fui arquivando na minha cabeça uma
ideia aqui, outra ali, sobre como tudo poderia ser. Confesso que o que mais me
inspirava era minhas revistas “Figurino Noivas”. Eu tenho TODA A COLEÇÃO
lindamente organizada, com exatamente TODAS AS EDIÇÕES, inclusive os anuários.
Cada uma que saía, eu devorava, marcava as páginas, mostrava pras amigas, fazia
minhas escolhas pro meu “grande dia”!
Eu jamais poderia imaginar que fosse demorar tanto tempo entre o
pedido do Luís Otavio e o casamento em si, não é? Em 17 anos a gente muda
muito: muda os gostos, os sonhos, o corpo da gente muda... Agora percebo que a
única coisa que eu deveria ter mudado era DE NOIVO! Hoje eu tô a própria
Madalena Arrependida! Claro que Luís Otavio não foi meu primeiro namorado, mas
foi O TAL; aquele em que eu bati o olho e disse pra mim mesma: é esse!
O grande problema é que Luís
Otavio é aquele filho único de mãe separada que nunca fez o menor esforço pro
filho se tornar um homem mais independente: sair de casa, se casar, se
resolver... NÃO, ela – como boa parte das sogras do mundo inteiro – achava que
era melhor pro filhinho ficar sob suas asas. Luís Otavio, por sua vez, tinha
sempre uma questão pra resolver ANTES DE SER CASAR! Primeiro foi a questão da
profissão. Ele falava que só se casaria quando estivesse realizado, num bom
emprego. Mas o pior é que ele não sabia o que queria da vida, aliás não tinha a
MENOR NOÇÃO e todo ano ele mudava de ideia. Eu lembro que, num ano, ele quis
ser médico, mas não passou no vestibular. No outro, encasquetou em ser
funcionário público, mas vocês conhecem o grau de dificuldade do concurso, né?
Aí resolveu que queria fazer malabares em circo, mas o coitadinho é tão
desequilibrado!!! Até astronauta ele pensou em ser... Eu dizia: Luís Otavio,
ACORDA MEU FILHO, EU QUERO CASAR!!! Sei dizer que demorou muito pra ele
decidir. Hoje ele é empresário! Se ele está realmente feliz com a pastelaria
que abriu, eu não sei mas, pelo menos, ele optou por, FINALMENTE, ser um homem
casado!
Luís Otavio me pediu em casamento num lugar público. Parece que
isso tá na moda ultimamente. Eu já tinha assistido pela televisão alguns
pedidos em público hiper elaborados, com a família dos noivos participando pra
criar aquela surpresa na hora do pedido. Ou então no trabalho da noiva, ele
chega e faz toda uma performance com o aval dos colegas e do patrão. Tudo tem que
ser bem planejado, pra criar a surpresa pra noiva e só então ela perceber que
todo mundo já sabia do pedido e estava colaborando com o noivo. Luís Otavio não
se deu a esse trabalho. Ele ouviu dizer que era moderno fazer o pedido
publicamente e, num domingo, com o mercadão municipal cheio de gente, ele
resolve me surpreender. Eu lotada de saquinhos de compras nas mãos e tentando
engolir um sanduiche de mortadela quando, do nada, Luiz Otavio se ajoelha e me
pede – em alto e bom som – em casamento. Eu tomei um susto! Foi mexerica
rolando pra todo lado, eu quase engasgo com aquela mortadela toda, fiquei toda
babada... Um caos! Ele achou super romântico, eu achei meio ridículo... Afff,
só Luís Otavio mesmo!
Eu sempre sonhei com uma lua de mel no Caribe. Bobagem, Luís
Otavio jamais teria dinheiro pra me levar pra lá. Ele me prometeu uma lua de
mel na Praia Grande, perto de João Menino, numa casinha que ele conseguiu
emprestada. E só por 2 dias! Em troca do empréstimo, a gente tinha que fazer
uma pequena faxina na casa pois estaca trancada há muito tempo... É o fim da
picada eu ter que passar minha lua de mel com uma mangueira na mão, lavando o
quintal da casa na praia de uma gente que eu nem conheço! Tudo em nome do amor!
Amor é uma cilada!
Eu sempre gostei muito da minha sogrinha, Dona Eulália, afinal
de contas a gente convive desde sempre, mas eu tenho que concordar com a
Odete... Odete é minha melhor amiga, ou foi... até hoje! Odete é aquela típica
solteirona que só fala mal dos homens, mas não tem outro assunto! Ela sempre
disse que noivo ideal não é o noivo bonito, ou o noivo rico e sim o noivo
órfão... que já vem sem a sogra! Se tem uma coisa que minha sogrinha gosta é
dar palpite, parece que essa característica faz parte dessa função em, pelo
menos, 98% dos casos. Quando ela soube da minha coleção de “Figurino Noivas”,
ela quase teve um chilique. Disse que jamais-em-tempo-algum ela iria deixar eu
fazer algo sozinha, que eu deveria continuar no meu trabalho e que ela, com a
ajudinha da Odete, era quem ia organizar todo o casamento. Eu argumentei que
não precisava se preocupar, que o casamento era meu e eu é que tinha que
organizá-lo e ela contra-argumentou dizendo que o filho era dela, que era ela
quem já tinha experiência no assunto e PONTO FINAL! Esse ponto final, quando
devidamente gritado no final da frase, encerra qualquer possibilidade de
argumentação, não é verdade?
Pra começar, ela disse que guardou o vestido de noiva do
casamento dela, que calculo tenha ocorrido há uns dois séculos atrás, para que a
“escolhida” do filho o usasse em seu matrimônio. Claro que o vestido já estava
meio puído, meio amarelado, com as rendas um pouco carcomidas pelas traças...
Ainda por cima, a numeração era um pouco abaixo da minha. Tratei logo de
começar uma dietinha, não sem antes ouvir aquela palavra amiga de quem só
existe “pra te dar uma força”, a sempre intrometida Odete: (imitando Odete) “Ora, meu bem, claro que você NÃO
VAI conseguir entrar nele. Não há casamento no mundo que te faça perder 15
kilos em meia hora...” Ainda
bem que eu tive um pouco mais de tempo do que isso e a Odete teve que engolir
cada palavra. A Janete, costureira do bairro, pegou o vestido, fez aquela cara
de espanto e começou o trabalho. Ela costurava de um lado, eu malhava de outro.
Tadinha da Janete, eu tenho que reconhecer que ela fez milagre, né? Um EXTREME
MAKE-OVER total no vestido da sogrinha!
Maquiador profissional era super caro, Dona Eulália achava que
não precisava e tratou logo de me agendar com a vizinha que fez curso no Senac.
O curso pode ter sido bom, mas a qualidade dos produtos que ela usava
certamente não era. Ela me passou uma base na cara que parecia massa corrida.
Eu fiquei por horas com a cara mumificada, sem qualquer expressão. Ainda bem
que a base foi derretendo durante o dia porque senão ninguém saberia dizer se
eu estava alegre ou triste.
O cabelo foi um caso à parte. A Madalena, que é uma cabelereira
profissional e trabalha num desses grandes salões de nome, resolveu me fazer o
cabelo. O problema é que, como era na faixa - um presente da Madalena pra mim -
ela só podia fazer um dia antes do casamento... Ou seja, ontem... Ficou lindo,
mas ela fixou com tanto laquê que virou um capacete e, pior, eu não podia
encostar em nada pro penteado não desmoronar. Conclusão: tive que dormir
sentada, só apoiando as costas e acordei com o pescoço praticamente quebrado
porque dormi com o queixo encostado no peito... assim, ó! (mostra). Aí você acorda no dia do seu casamento
com tanta dor e com tanta coisa pra fazer que o cabelo vai desmoronando como um
castelo na areia em dia de chuva!
A Odete, naja que é, parece se divertir com meus infortúnios.
Olhou bem pra minha cara, na porta da igreja e perguntou: “Veio de moto???” Um
dia ainda quebro a cara dela...
Vocês acham que Murphy parou por aí? Ele nem tinha acordado...
No que eu me posicionei atrás da porta de entrada da igreja e a
marcha nupcial começou a tocar, o salto do meu sapato quebrou. Assim, do nada!
Dona Eulália estava feliz por ter encontrado um par de sapatos altos branco
numa liquidação! Achou que foi o negócio do século, afinal era um par pra ser
usado só no dia do casamento! Com o salto quebrado, tive que entrar usando umas
rasteirinhas que a moça da faxina da igreja me emprestou. Coisas de última
hora, percebem? Ainda bem que a calda do vestido cobriu as rasteirinhas porque
elas já estavam bem velhas, feinhas... É, a mocinha não ia fazer limpeza de
salto alto, né? Ainda que não eram uma dessas sandalinhas de borracha...!
No que as portas se abriram e eu, poderosa, comecei a caminhar,
o mocinho do vídeo tropeçou no fio e a câmera voou longe. Claro que espatifou
no chão e quebrou. Odete, “tão solícita”, falou que não tinha problema, que ela
gravaria meu casamento com o celular. Pode uma coisa dessas? Que tristeza,
filme de casamento gravado com o celular pré-pago da Odete, ninguém merece!
Ninguém merece também é aliança que não seja de ouro puro... Eu
disse OURO PURO? Ora... Pela Dona Eulália não vai ser nessa vida! Ela fez que
fez e Luís Otavio acabou comprando um par de alianças JATEADAS. Detalhe:
não é nem jateada por inteiro, é só com as BORDAS jateadas. Disse ela que
aliança é a relação que se estabelece entre dois seres. A aliança que vai no
dedo não passa de matéria! Helloooo, eu queria um pedaço de matéria no meu
dedo; de preferência, matéria de ouro...
E a confusão continuou. Já no altar, a madrinha do Luís Otavio
ficou tão perto das velas que uma delas pegou no vestido e começou a incendiar.
O padre rapidamente pegou um vaso de flores e tacou nela pra apagar o fogo. Foi
um sufoco... Além de uma madrinha com meio vestido de cetim azul claro
queimado, ainda tivemos que casar num altar todo molhado.
Agora eu pergunto: quem inventou de jogar arroz nos noivos na
saída do casamento? Eu percebi que a Odete estava se divertindo em jogar em mim
os 5 quilos de Arroz Verinha, o mais barato que tem! Estou até agora com grãos
de arroz em lugares do meu corpo que eu nem sabia que existiam!!!
Eu sempre sonhei com uma festa num buffet, uma coisa fina e
elegante, mas tive que me contentar com o salão paroquiano que fica ao lado da
Igreja, pertinho daqui. Bonito-bonito o salão não era, mas era limpinho e, a
essa altura do campeonato, estava bom demais!
A entrada estava decorada com umas samambaias bem bonitas, bem
tratadas... Tinham vários balões pendurados, sabe aqueles balões em forma de
coração, bem brilhosos, bem coloridos? Ficou meio cafona, mas tudo bem...
Confesso que erro mesmo foi a escolha que eu fiz da banda. Fui
pelo nome: Reis do Couro. Eu jurava que eles tocavam aquelas músicas do Ray
Conniff que eu acho lindas, mas era um grupo mais especializado em... pagode!
Okey, okey, eu sei que errei, que deveria ter ido aos ensaios da “banda” pra
ouvi-los tocar, mas é muita coisa, muito detalhe pra uma só pessoa cuidar...!
A Odete disse que o som teria sido melhor com fitas cassete. Um
dia ainda quebro, pelo menos, um dente da Odete!
Deixa eu falar do bolo. A única exigência que eu fiz pra Dona
Eulália era que eu queria um naked
cake. Desde a primeira vez que eu vi um numa revista, maravilhoso e cheio
de frutas e flores, de cara me identifiquei. Ele não vem com aquela pasta
americana ultra doce e colorida de ponta a ponta, que cobre a massa e o
recheio. Nem com aquele chantilly escorrendo que, só de olhar, já te dispara o
diabetes. Ele é mais natural, menos engordativo. E eu, uma enfermeira formada
que trabalha muito e dorme pouco por causa dos turnos daquele hospital, que não
tem tempo e nem disposição de se atirar numa academia pra ficar malhando,
merecia um belo naked cake.
Elas então me atenderam. Mas encomendaram um bolo num lugar tão ruim que ele
chegou queimado e literalmente pelado, com umas duas ou três frutinhas jogadas
por cima e só... Quatro andares de bolo praticamente vazio, parecia um prédio
recém construído com as paredes sem reboco. Uma tristeza, era olhar e chorar!
Claro que a Odete também me convenceu que já não se usa mais
oferecer bem-casados numa recepção, que isso é coisa de gente antiga! Por
sugestão dela, acabei aceitando que, na saída da festa, oferecessem as
mentinhas. Sabe aquelas mentas com chocolate em volta, bem pequenininhas? Tia
Elvira foi chupar uma, e como ela não chupava nada há muito tempo, a mentinha
deslizou goela abaixo da tia Elvira e ela engasgou... Mas engasgou de ficar
roxa! Deram tapas nas costas dela, na cabeça dela, na cara dela e nada. Tio
Germano pegou tia Elvira, que é magrinha-magrinha, e virou ela de cabeça pra
baixo. Nisso a meia-peruca dela caiu, ela ficou louca e começou a esbravejar.
Por muito pouco tia Elvira não falece lá na festa...
Aiiiiiiiiiiiiiiiiii, é muita coisa pra dar errado num casamento!
Enfim, depois de tudo o que eu contei pra vocês, depois que o maldito Murphy
dançou bem na minha cabeça, a encalhada da Odete chega pra mim e diz que ela
sabia, desde o princípio, que Dona Eulália - sem a ajuda de uma boa “Figurino
Noivas” - ia acabar fazendo tudo errado. Que, afinal, todo mundo sabe que essa
revista é considerada a Bíblia das noivas, que lá tem TUDO pra se organizar e
escolher as melhores opções!
(Começa aquela brincadeira de
eu-disse, ela disse)
Aí eu disse pra ela: COMO VOCÊ SABE DISSO, ODETE? E ela me
disse: PORQUE EU TAMBÉM COLECIONO A REVISTA. Aí eu disse: MAS PRA QUE
COLECIONAR UMA REVISTA DE NOIVAS SE VOCÊ É SOLTEIRA? Então ela disse: SOU
SOLTEIRA POR OPÇÃO. E eu disse: OPÇÃO DE TODOS OS HOMENS DO MUNDO! E ela disse:
ESTOU ME DIVERTINDO COM SEU CASAMENTO QUE MAIS PARECE UM SHOW DE CIRCO. Aí eu
disse: ENTÃO AGORA EU VOU DAR NA TUA CARA PRA VOCÊ DEIXAR DE SER AMARGA E MÁ
AMIGA! Então ela saiu correndo do salão e acho que ela está por aqui...
Só tenho uma pergunta a fazer: VOCÊ ESTÁ AÍ, ODETE? (pausa) APARECE, ODETE! VAMOS VOLTAR PRA FESTA... PROMETO NÃO TE BATER... ODETE??? ODETEEEEE!!!