(Ele entra em
cena, tipicamente vestido de turista, com uma pequena mala de rodinhas)
- TÁXI...
TÁXI... (percebe a plateia) Eu ODEIO viajar.
ODEIO mais quem chega de férias, com aquela cara feliz, descansada, querendo te
mostrar as 1240 fotos que tirou... Uma por uma, uma por uma, uma por uma. E
você lá: “ai que legal, ai que legal, ai que legal” Antes vinham com aquele
monte de albunzinhos da Fotóptica, hoje te mandam por e-mail, demora horas pra
baixar aquela porra toda. Eu ODEIO foto.
Enfim, quem chega de viagem de férias tá pronto
pra encarar mais um ano de trabalho pela frente. Eu nunca estou porque eu ODEIO
meu trabalho e ODEIO meu chefe. Foi aquele filho-da-puta que me obrigou a
comparecer na festinha-da-firma e comprar a TAL RIFA que me “agraciou” com o
prêmio de uma viagem para a Cappadócia. Eu logo falei: “OK, eu aceito a viagem
mas vou logo avisando: vou de ônibus porque eu ODEIO avião.” Aí me disseram: “Tá maluco, você tem que ir de
avião porque a Cappadócia fica na Turquia!” Até então, eu jurava que a Cappadócia
era uma cidade do Nordeste... Perto de Caruarú,
Caicó, Codó, Congo, Cumbe... Eu ODEIO geografia!
Os “colegas” do escritório acharam o máximo
eu ter ganho a viagem: “Carlão, que sorte a sua, hein?, ganhar uma viagem na
faixa!” Você sente na pele que não é um
ciuminho bobo, não. É inveja CORROSIVA!
O roteiro da viagem era o seguinte: pegar um
avião até Barcelona. De lá, pegar um navio por todo o Mediterrâneo até chegar em
Istambul. Aí pegar um ônibus até à Cappadócia. Perceberam, né? Táxi até o
aeroporto, avião, navio, ônibus. Só faltava um jegue pra me levar até o hotel.
Bem, a viagem começa. 12 horas de vôo até
Barcelona. Depois de 12 horas, sem um cigarro, você chega FUMANDO NAS CALÇAS...
Anda quilômetros dentro do aeroporto pra achar uma SMOKING AREA – aquela jaula
de vidro onde o povo fica se defumando. E, do lado de fora, tem sempre um te
olhando com aquela cara de “olha como eu sou saudável!” Eu ODEIO não-fumantes.
De lá, você vai para o CHECKING CONTROL,
sabe aquelas passagenzinhas com sensor? Eu tenho placa na perna, então em apito
em todas elas. Pareço uma escola de samba. Tira sapato, tira cinto, aí vem um
negão te apalpar. Te apalpa inteiro, você praticamente sai grávido.
Do aeroporto você vai para o porto e, na entrada
do navio, você já percebe tudo: era uma viagem para pessoas da 3ª Idade. 3ª
Idade é modo de falar, certamente eu era o único com menos de 98. Muita
bengala, muito andador, algumas cadeiras de rodas... Um povo animado, cheio de
energia, parecia que não passavam dos 80!
Aí a viagem começa. Você tá preso num
navio, né? Não tem muita coisa pra fazer... É sair da piscina, entrar no
restaurante, sair do restaurante, entrar no karaokê... Eu ODEIO karaokê! Sai do
karaokê, vai pro refeitório fazer uma boquinha, volta pra cabine trocar de
roupa e vai pro baile. Sempre tem um baile... Baile da saudade é a balada da 3ª
Idade, né? E a velharada animada, todo mundo nas suas mesinhas, um do lado do
outro... Parece um Pão Pulmann.
Quando gostam de uma música, querem dançar.
Até sair da mesinha e chegar na pista, a música já acabou. Nem se lembram mais
da artrose, da osteoporose, da esclerose múltipla... eles querem é aproveitar,
né? E é bom que aproveitem mesmo porque, provavelmente, é a última viagem
deles... Ou a penúltima, mas a próxima não tem volta!
Quando não é a dança, é o bingo. Eu ODEIO
bingo. Isso quando não resolvem fazer um amigo secreto. Pra que amigo secreto,
sexta-feira, no máximo sábado que vem, vai estar todo mundo morto...
E segue a viagem... O navio contorna a
Itália até chegar na Croácia. Da Croácia, vai pra Albânia. Aí, contorna a
Grécia e vai pra Turquia. Então o návio pára no porto de Istambul, todo mundo sai
do navio e pega um ônibus para, horas intermináveis depois, chegar finalmente na
Cappadócia.
Lá, eu descubro que a excursão inclui um
passeio de balão pela Cappadócia. Eu ODEIO balão porque eu tenho pavor de altura,
mas já que eu tô lá... vamos enfrentar. No balão, o condutor, eu e mais 15
japoneses, todos bem animados. A japonesada acha graça de tudo, filma tudo,
fotografa tudo... O balão parecia uma filial da Sony.
Dois dias na Capadócia. Ônibus de volta pra
Istambul, de Istambul, um avião pra São Paulo, fim da viagem. E aqui estou eu
procurando um táxi que nunca vem... Quer saber de uma coisa? Eu ODEIO TAXIS,
vou a pé mesmo... (sai)