O DIA EM QUE ENTREI PARA O TABLADO


Sim, eu tenho algo em comum com Hitler, Ghandi e até com a Marina Silva: eu também já fui criança! Há duzentos anos atrás... E ainda lembro da professorinha (a tia!), na escola, a falar de uma bondosa e querida escritora chamada Maria Clara Machado e sua principal obra Pluft, o Fantasminha! Cresci com a imagem dessa senhorinha que também escreveu obras como O Aprendiz de Feiticeiro, O Rapto das Cebolinhas e A Bruxinha Que Era Boa. Ah, que meigo! Pois bem, Maria Clara criou e dirigiu até a morte (a dela) uma escola de teatro no Rio de Janeiro chamada “O Tablado”. Na década de 80, após deixar São Paulo para tentar me estabilizar no Rio e viver de teatro, cheguei ao Tablado em busca de uma vaga. Eu já o conhecia porque anos antes, durante outra estada minha no Rio, havia assistido uma peça dirigida por Maria Vorhees e estampei em meu quarto um poster da dita cuja. Por conta disso, tais nomes (Maria Clara Machado, O Tablado, Maria Vorhees) ficaram gravados na minha mente. Sentado à frente de Maria Clara, fiquei algo chocado diante de uma mulher muito mal humorada falando ao telefone, varias vezes e com varias pessoas. Eu lá, quietinho, esperava minha vez. Até que veio, alto e em tom jocoso:


-Não vai falar nada, menino? Vai esperar que esse telefone toque de novo?


Assustado e levemente decepcionado, balbuciei:


-Eu queria estudar aqui.


Num tom irônico, após alguma gargalhada, ouvi minha interlocutora:


-Você e metade do Brasil, né? Cada vez que uma Malu Mader, um Felipe Camargo ou um Mauricio Mattar dizem nos jornais que estudaram aqui, aparece um monte de gente querendo também. Como se o Tablado fosse a porta de entrada da Globo...


-É que eu cheguei de São Paulo, não conheço ninguém do teatro e...


-Se foi pra isso, volte correndo pra lá... - finalizou Maria Clara Machado.


Com meu enorme rabo no meio de minhas então jovens pernas, saí meio desconsolado, cabisbaixo e bem sem graça da sala daquela “escritora meiga” que eu tinha arquivado na memória desde os tempos de eu-menino. É, amigos, a vovozinha era, na verdade, um lobo mau!


Ao sair, já à porta do Tablado, ouço um grupo de alunos animados cumprimentando alguém que chegava:


-Olha a Maria Vorhees. Seja bem vinda, professora!


Imediatamente, sem pensar, joguei-me à sua frente e, num tom pra lá de amigo, lancei:


-Maria, minha querida, você não morre mais! Sabe que, agora há pouco, eu falava  com a Clara e ela tentava me convencer a estudar aqui? Ela sabe que eu não estou muito a fim, mas me disse toda empolgada: “Ora, Carlos, isso é porque você não assistiu às aulas de Maria Vorhees. São ótimas...”


Nesse momento, com aquela cara de “te conheço?”, a professora me encarou e me convenceu:


-Bem, se a Clara te disse isso, apareça nas minhas aulas. Sempre há um jeitinho de arrumar uma vaga para alguém tão simpático...


E, assim, tornei-me o mais novo aluno do Tablado. À custa de uma mentira? Ora, prefiro acreditar que foi por conta de um proverbial senso de improviso e alguma imaginação! Que, diga-se, são fundamentais para qualquer ator!