Bem, antes
de tudo eu sou um frango. A macumba, no sentido profissional da palavra, veio
naquela fase penosa em que você tem que decidir o que ser quando crescer. Para um
pintinho, virgem ainda, decidir o que será pro resto da vida é duro!
Desde muito
cedo, uma coisa eu sabia: eu não ia querer virar um galo-despertador. Cantar às
5 da manhã é coisa pra galo masoquista e eu não nasci pra cantar de galo. Cantar
eu até canto, mas canto pra subir!
Eu gosto mesmo
é de teatro, já fiz até aulas de arte dramática. E pinto no teatro faz o maior
sucesso, pois o que tem de galinha não tá no gibi!
Então eu
cresci, como todo pinto cresce, e realizei (frangos também realizam) que tinha
que me sustentar: não dá pra viver ciscando daqui e dali, sem um rumo
profissional.
Foi aí que
um amigo me falou que, com minha altura, meu peso e meu porte, eu poderia me
tornar um galo de briga. Mas, pra dizer bem a verdade, eu não tenho talento pra
ficar soltando penas, só pra uns palhaços ganharem uma grana em cima de mim. De
mais a mais, eu sou da paz, e nas brigas eu só engolia frango.
Mas como
sobreviver num mundo onde o preço do milho tá pela hora da morte?
Com o
número cada vez mais crescente de encruzilhadas que se vê por aí, em cada
esquina, em cada praça, trabalho é o que não falta. E, modéstia à parte, eu sou
muito bom no que faço. Frango profissa, sindicalizado!
Eu me
finjo de morto e, no que neguinho acaba seu despacho e se manda, eu dou um
tempo, relaxo, fumo um charutinho e caio fora. De sobra ainda tomo uma
branquinha e se a farofa for da boa, meu jantar tá pago.
Fujo mesmo!
Vou ficar lá plantado esperando a vela queimar? Tá assim de frango que cumpre a
função e cai fora rapidinho. Pode reparar que raramente você topa com alguma
macumba e o frango ainda tá lá esticado. Ou já se mandou ou virou comida de urubu.
Não nasci pra frango-fast-food! Fried
Chicken tô fora!
É claro
que não é tão fácil assim, todo “trabalho” tem seus percalços e ouvir aquele
bando de baboseira (“que fulano morra,
que sicrano sofra, que beltrano volte...”) despurifica qualquer alma. Penada
ou não. Então, lavo minhas penas: só tô lá ganhando o meu, só faço parte da
“entrega”. Praticamente, um frango-delivery!
Preconceitos
à parte, frango de macumba é frango preto. Pros politicamente corretos, frango
afro-brasileiro. Quem gosta de pintinho amarelinho é o Gugu. Bem, não só
amarelinho! Nem só pintinho!
Hoje tô
casado com uma penosa da hora. Eu sei que ninguém gosta de que chamem sua
mulher de galinha mas, quanto a isso, eu nada posso fazer. É linda minha
franguinha! Na primeira abordagem, ela me disse pra cantar em outro terreiro, mas
bom-de-bico que sou, acabei levando ela no papo. Depois de soltar a franga, ela
começou a arrastar a asa pro meu lado. Galo letrado é pinto! Hoje estamos engaiolados, com a
proteção do Galo-preto-véio que nos protege! Só faltou uma lua-de-mel em Porto
de Galinhas.
Vida de
frango de macumba não é canja não! Mas eu não reclamo, afinal consegui tudo o
que um galo pode sonhar: trabalho, mulher e saúde. Sim, eu me cuido pois não
fica nada bem um frango pegar uma vaca louca, uma gripe aviária...
Frango
pagando o pato é mico!