A GELADEIRA


(Ela ou ele entra e dirige-se a uma poltrona no centro do palco. O tom é melodramático e uma música idem ecoa de um violina. A cena, a partir do texto, vai tornando-se absurda)

-Um dia eu comprei uma geladeira nova. Não era assim uma (BIP), mas era uma boa geladeira: duplex, degelo, frost-free, pés com rodízio niveladores... Não demorou muito, quebrou a geladeira. Mandei consertar. No exato dia que a assistência técnica venceu, claro, ela quebrou de novo. De novo, conserto. Quando você abria a geladeira, ela tremia, ela suava, você via que ela não estava bem. Então a gente resolveu respeitar a geladeira. Ela queria continuar quebrada. Ela meio que desistiu. (Seríssimo) Acho que as coisas não nos pertencem... Um dia a gente tem que deixar essa geladeira voar. Aí você faz o quê? Você trabalha o desapego. Mas só quem tem uma geladeira sabe como é duro se separar de alguém que tá sempre lá, silenciosamente – a maior parte das vezes, ora te servindo, ora te refrescando, mas sempre lá, te acompanhando... Muito triste (choraminga) É o que eu sempre digo: geladeiras, por quê tê-las? Mas, se não tê-las, como sabê-las... (saindo) Geladeira da porra...