A INVENÇÃO DA PRIVADA

(inspirado em ideia original de Kiko Correia) 

VOZ EM OFF - 2º Mandamento: Não ignorarás teus súditos (Em cena uma privada no foco de luz. Música) VOZ EM OFF - Era uma vez, nos idos do século 16, nos arredores da Inglaterra, um rei...

R = Rei / A = Arauto

(entra o Rei, feliz, se espreguiçando)

R- Oh!!! What a wonderful morning!

VOZ EM OFF - Aperte a tecla SAP.

R- Oh!!! Que manhã ma-ra!

A- Aí, coroa!!!

R- Oraaaaa, você sempre me assustando, Arauto! E coroa é a...

A- ALTEZA!!!

R- Tenha um mínimo de respeito. Eu sou um Rei!

A- Falô!!!

(O Rei aponta a privada e faz gesto ao Arauto como quem pergunta “o que é isso?”)

A- É, alteza! Chegou esse presentinho pro senhor!

R- Como?

A- Ué... Sedex 10!

R- Não estou entendendo... o que seria isso?

A- Tem um manual de instruções aí grudado, tem não?

R- (pega o papiro) Um papiro!!!

A- Siiiiim, e consta até um 0800 pra tirar suas dúvidas!

R- Ora, quem teria me enviado tal objeto? Você está sado de alguma coisa?

A- Goo-gle!!! Já dei minhas pesquisadas, alteza!

R- E?

A- É algo... eu diria “bastante democrático”.

R- Sim?

A- Todo mundo pode – e deve – usar!

R- Sim?

A- Aliás, o mundo inteiro deveria usá-lo! Nele, cada ser humano deixaria um pouco de si...

R- Não tô captando, Arauto, seja mais claro.

A- Esse objeto presta-se a um procedimento que o cidadão realiza a cabines fechadas, intimamente, longe de olhares indiscretos...

R- Algo secreto?

A- Sim... Mas, como o senhor, muita gente não sabe como fazê-lo.

R- Não?

A- Tsc tsc tsc. Mas vamos pelo método exploratório. Chegue mais no objeto, alteza. Abrace ele... Explore-o...

R- (examinando) Ora... isso está me parecendo um... um trono. Algo, aliás, bastante apropriado a um Rei.

A- Não é um trono e não é para reis!

R- Oh, uma tampa!!! (abre) Uauuu, tem água. É uma fonte de águas claras!!! Beberei dessa fonte... (enfia a cara dentro)

A- Não, alteza, não vá com tanta sede ao pote.... Nem tudo que parece claro, límpido, o é! E, de mais a mais, estamos em épocas de Aedes aegypti!

R- (olhando para dentro da privada) Olhaaaa. Tem um buraco no meio. Seria isso o que todo mundo chama de... rosquinha?

A- Não, alteza!

R- Seria então o tal do... CD?

A- Tente novamente!

R- Seria isso um... cu?

A- Alteza!!!

R- Ué, buraco no meio, molhadinho... Ora, confesso que estou perdido com essa coisa estranha... Nunca vi nada igual a isso! Fala mais, Arauto!

A- Esse é um modelo Super Ultimate Success Two-Thousand-Twelve última geração.

R- Eu não quero saber o modelo, eu quero o NOME. Como se chama esse objeto? E, por Deus, pra que serve?

A- Vou dar uma dica, alteza, começa com a letra... U.

R- U... U... U... Urivada...

A- Não.

R- Uaso Sanitário...

A- Não.

R- Uatente... Uatrina...

A- Urna.

R- Urna? Como urna mortuária?

A- Não, como urna eleitoral.

R- Eleito... ora, que lingua é essa, Arauto, bebeu? Se drogou?

A- Como eu disse, meu Rei, esse é um objeto que deveria ser usado conscientemente por toda a população mundial.

R- E não é?

A- Não mesmo! As pessoas, por absoluta falta de conhecimento sobre como usar isso, acabam fazendo merda...

R- ARAUTO!!!

A- Perdão, alteza. O que eu quis dizer é que essa peça é algo importante para as pessoas, para a vida das pessoas, para o mundo inteiro, e infelizmente elas não sabem como usá-la.

R- Ok, mas é que você falou que nela seria depositado um pouco de cada ser humano...

A- Sim, como suas opiniões, suas escolhas, seu voto...

R- Voto? Como voto de castidade?

A- Não, alteza, outro tipo de voto! 

R- Ai, eu não tô seguindo. Acho que o Ovomaltine do meu desjejum tava vencido... Não sei do que você está falando.

A- Os poderosos quase nunca sabem o que o povo está falando!

R- Olha aqui, subalterno, se eu fosse você prezaria mais esse empreguinho, o mundo lá fora não tá nada fácil... São milhares de arautos para pouquíssimos reinos!

A- Perfeitamente, alteza!

R- Quer saber? Eu já decidi como usar essa urna!

A- Como, como???

R- Ela vai fazer parte de um sofisticado processo de rotina de evacuação intestinal. E tenho dito!

A- O que senhor vai fazer é igualzinho ao que todos os governos fazem com esse tipo de urna!

R- E o que fazem?

A- Com o perdão da má palavra, alteza, só fazem merda.

R- Tudo o que eu quero e preciso nesse momento é me aliviar! (tira as calças e senta no vaso) Pena que aqui dentro do palácio não tem grama, não tem areia como tem lá fora, no mato!

A- Quem sabe, alteza, daqui a algum tempo não inventam a descarga hidráulica?

R- Ó mundo atrasado! Nem uma folha de parreira pra eu me limpar!

A- Oh, alteza, sinto muito. Rolo de papel higiênico é uma coisa que só será inventado daqui a uns 3 séculos.

R- E o que eu faço enquanto isso?

A- Usa o pergaminho, alteza!!!

R- Ótima idéia, Arauto!!!

A- Demorô...

(Luz baixinha enquanto rola o off com música)

VOZ EM OFF – E, dessa forma, a tal urna tem sido usada desde aquele tempo até os dias de hoje. será que um dia, o povo – bem como seus governantes – saberão usá-la como se deve?

R- Quer saber? CA-GUEI!!! (Black-out)