(VERIDIANA, A DOMÉSTICA, ENTRA COM UMA CADEIRA TAMPANDO SEU ROSTO. COLOCA-A NO CHÃO E OUVE UM GRITO. REAGE)
Off: Começa aqui o primeiro e último capítulo da Saga da Família Bartworth, no épico “A MORTE EM 18/10” (TRILHA)
(VERIDIANA ARRUMA A SALA E SAI. DOIS TIPOS MEIO INGLESES ENTRAM EM CENA, TRANQUILAMENTE, COM SEUS CÁLICES DE LICOR, APÓS UM JANTAR)
M: Olha, primo, o jantar pra variar estava fabuloso!
C: De todos os empregados contratados pela família Bartworth (COSPE), Veridiana é nossa melhor aquisição.
M: De longe, a melhor cozinheira!
C: A melhor!
M: Confesso que me fartei como se fosse a última ceia.
C: Ora, primo, essa pode ter sido a sua última ceia! (TRILHA)
M: Ou a sua! (TRILHA)
C: Tudo porque hoje é dia 18/10.
M: E como todo ano, há seculos, exatamente no dia 18/10 um membro da família Bartworth (COSPE) passa, desencarna, falece, morre! (PARA A PLATÉIA) Guardem bem essa data: 18/10.
C: E sempre perto da meia noite. Mistério!
M: Seria uma sina?
C: Uma tradição?
M: Uma maldição!!!
C: Hoje, precisamente às 23:30h de um dia 18/10 somos só nos dois, primo!
M: Não sobrou mais ninguém.
C: Ninguém para dividir a herança acumulada de cada membro da família, já falecido! Mais licor? VERIDIANAAAAAAA!!! (ENTRA VERIDIANA)
M: Obrigado, só isso! Pois muito bem... dado ao horário, a qualquer minuto alguma coisa pode acontecer. Um brinde a nós dois, primo, que sobrevivemos até aqui!
(LONGA PAUSA DE TENSÃO. NENHUM DOS DOIS CHEGA A BEBER O LICOR NESTE MOMENTO)
C: Você se lembra, primo, que quando viramos este século ainda estavam vivos nove Bartworths?
(COSPE NAS COSTAS DE M)
M: Tia Loretta faleceu há três anos entalada com uma azeitona na garganta.
C: EMPADAS! Tio Flaubert desencarnou há dois, dançando no Baile da Saudade.
M: BALADAS! Ano passado, nosso último primo - o Dalvo, despencou 120 degraus abaixo.
C: ESCADAS! Essa eu vi, eu estava lá. Ele parecia uma gazela num tobogã!
M: Fraaaaaco, coitado! Você poderia me chamar a Veridiana?
C: VERIDIANAAAAAAA!!! (ENTRA VERIDIANA)
M: Obrigado, só isso!
(PAUSA. A PARTIR DAQUI, SUTIS E MALICIOSOS)
C: Se você tivesse procriado, primo, tivesse constituído uma família, o nome Bartworth não se extinguiria da face da Terra tão cedo... Mas você não se casou, né?
M: (TENTA SENTAR 1) É que... eu não encontrei uma boa moça!
C: Sei!
M: (TENTA SENTAR 2) Uma moça digna de ostentar o nome de nosso clã.
C: Sei!
M: (TENTA SENTAR 3) Aliás, eu observo o mesmo em relação a você. (SENTANDO) Por quê o primo também não se casou?
C: Porque... eu sou um ser humano comprometido demais comigo mesmo, com minha liberdade, pra dividir, pra compartilhar a nivel de “to share” o que quer que seja...
M: Sei! Onde é que se enfiou aquela cafusa indolente?
C: VERIDIANAAAAAAA!!! (ENTRA VERIDIANA)
M: Obrigado, só isso! Um momento, Veridiana, toma aqui um dinheiro, me troque por notas menores!
C: Pois é, primo, o dia está acabando e, de repente, não há como você escapar de um, digamos, enfarte fulminante...
M: O mesmo digo a você que pode tombar com uma trombose nos próximos minutos...
C: Você gostaria disso, não é primo? Me ver caindo como uma coala grávida...
M: Não fui eu quem criou essa tradição... digo, maldição familiar, primo!
C: E certamente não foi você também quem envenenou esse pequeno cálice de Porto...
M: Peraí, pára tudo!!! Essa frase é minha!
C: Como sua? Tá louco?
M: É minha... você que escreveu. Essa frase estava no MEU SCRIPT!
C: Quer dizer que você também...? VERIDIA....... AHHHHHHHHHHHHH...
(C CAI MORTO NO CHÃO. M GARGALHA NERVOSAMENTE, SUFOCA E TAMBÉM CAI MORTO. VERIDIANA CONTA AS NOTAS E SAI COM ARES DE SUCESSO. JÁ FORA DE CENA, OUVE-SE UMA GARGALHADA MACABRA. TRILHA.)