A RODA


VOZ EM OFF – 5º Mandamento: Não ouvirás a voz da razão. (Trilha) Residência de Hamurabi e Armênia. Mesopotâmia, 3500 anos a.C!

(Marido anda de um lado para outro, pensando, meio impaciente. Mulher varre o chão ao redor dele, com uma vassoura arcaica)
ELA – Hamurabi, não é possível continuar vivendo assim. Se você não sair pra procurar, o trabalho não vai esmurrar nossa porta.
ELE – Eu não nasci pra ser servo dos outros, Armênia, eu sou um açoado, eu nasci para grandes conquistas, grandes invenções...
A – (comenta para a plateia) Já vi essa novela das 6, “O Feijão e o Sonho”. (Para ele) Hamurabi, eu sempre achei que você se tornaria o maior inventor de todos os tempos, mas acho que você está vivendo uma crise criativa. Chega uma hora em que é preciso botar as sandálias no chão e deixar os sonhos de lado.
H – Minha cabeça queima o dia inteiro tentando imaginar o que falta no mundo que eu pudesse inventar. Porque, afinal, inventores inventam!
A – E o que falta no mundo, Hamurabi?
H – Você não ouviu a voz em off falar? Estamos na Mesopotâmia. Cristo só daqui há 3500 anos... Falta tudo. Faltam grandes construções, grandes monumentos. Falta um sistema de escrita mais light, sem que tenhamos que martelar em pedras. Falta todo tipo de utilidades domésticas...
A – Ah, meu Santo Sumério! (comenta) O que eu acho que falta é vontade de pegar no pesado!
H - Eu sou um visionário, eu preciso criar coisas, escrever meu nome na história.
A – O que você anda arquitetando ultimamente?
H – Observando o fogo à noite, fico pensando que poderia existir um sistema de iluminação melhor. Eu podia inventar um... sei lá... um objeto pequeno, de vidro fininho que, conectado numa rede elétrica, gerasse luz para os ambientes a um simples toque.
A – Genial, é só esperar então inventarem a energia elétrica.
H - ?
A – E o vidro!
H – Me apóie, Armênia!
A – Eu te apóio, Hamurabi!
H – Outra coisa que andei pensando é num sistema de comunicação à distância. Uma forma de emitir sons entre duas pessoas, para que elas pudessem conversar mesmo estando longe uma da outra. (PAUSA) Com o tempo, poderíamos até inventar uma versão móvel...
A – Ora, isso não vai funcionar. Nem o pré, nem o pós pago! Você tinha que inventar alguma coisa que realmente fizesse diferença, que fosse eterno, que todo mundo necessitasse em todos os tempos através dos séculos.
H – Desenvolva!
A – Sei lá... Algo pra facilitar a locomoção, por exemplo, de coisas, de pessoas... Algo redondo, circular... (demonstra a forma com as mãos) Algo que rolasse...
H –ROLASSE, Armênia? Que verbo é esse? Por Shamash, de onde você tirou essa ideia?
A -  Eu estava vendo uns troncos cortados no chão e pensei que se eles pudessem ser, de alguma forma, fatiados, você poderia criar um sistema que ajudasse nos transportes. Essa coisa podia ser achatada, com algumas perfurações no meio, dividida em aros... E, se você colocasse duas delas em paralelo e um baú entre elas, essa traquitana poderia ser puxada por bois, por asnos, por cavalos e levaria coisas e até pessoas de um lugar para outro. Essa coisa poderia ser o princípio básico de todos os dispositivos mecânicos! Como eu disse: algo que ROLASSE, que ajudasse coisas a rolarem, uma... uma ró...
H – (pasmo) Oh... Mulher nasceu pra cuidar da casa mesmo!
A – Tô é te ajudando, Hamurabi.
H – Tá é delirando, Armênia.
A – Olha só, eu tenho certeza que isso ia revolucionar o mundo. Tudo ia depender dela pra funcionar! Seria a invenção das invenções! Com o passar do tempo podiam criar até uma versão GIGANTE, com luzinhas e música... e virar sensação no Playcenter!
H – Você anda varrendo muito chão, Armênia. O pó tá lhe corroendo o cérebro (sai).

A – E dizem que, por trás de um grande homem... Ara, bobagem! (vai varrendo e saindo).