FÊNIX DO MORRO


Ouve-se “Lata d’ água na cabeça, lá vai Maria...” (de Elza Soares) Maria entra.


- Sim, sim, sou Maria mas, aqui na favela, quem não é? Mas lata d’água na cabeça? Oxi, que a gente já tem água encanada aqui faz tempo. Eu não nasci aqui na favela, mas vim para cá depois que...

Bem, eu vivia com o Dirceu, que era segurança numa firma lá no centro. A gente tinha 3 criança, mas ele sabia que uma delas num era dele, acho que duas não era... Oh, quem pode saber uma coisa dessa, não é?

Das 3 criança que eu tive, uma logo que nasceu, não vingou.

Tadinho, morreu! Sei do que morreu, não. Deve de ter sido alguma doença da bactéria lá no hospital mesmo. Eu mais Dirceu vivia bem, quer dizer bem-bem não, mas vivia junto. Um dia teve um assalto lá na firma que ele trabalhava, se juntou um monte de segurança mais os polícia pra tentar pegar os ladrão, foi uma confusão dos demo e o Dirceu acabou baleado.

Tadinho, morreu! Sei dizer que, de dama do lar, tive que me virar né? porque o Dirceu num era registrado e a gente não tinha direito a nada.

Depois de uns mês eu até me juntei com o Percival, que trabalhava lá na secretaria do posto médico perto do Valo Velho, mas um dia um fulano que num tinha sido atendido pelo doutor pegou uma arma e foi pro posto tirar sastisfação. Grita daqui discute de lá, o home deu dois disparo. O dotô saiu vivo, mas o Percival...

Tadinho, morreu! De novo eu fiquei sem um home pra me ajudar a dar o que de comer pras criança. Fui me endividano, endividano.... Menina, me afoguei nas dívida.

Aí começaram a me ligar e a me ameaçar. Pedi dinheiro prum argiota idiota que ficou me cobrando os olho da cara. Aquilo foi me dando nos nervo... de repente, já quando a gente quer se atirar da ponte aparece um deus. No caso foi o Anderssu, ô home bonito! Anderssu é da poliça, trabalha na delegacia e sempre me olhou diferente, eu olhava diferente prele também, aí eu pensei: “Nossa, tô tão endividada e cheia das dívida, se eu ficar mais chegada do Anderssu ele pode até me proteger, pode até falar pros argiota me esquecer, sei lá... Ele pode me ajudar, né?

Preparei um jantar pra dar o bote no Anderssu. Na minha cabeça isso não tem nada de postritui..., prostritui..., postitui... não é dar em troca de alguma coisa. É fazer as coisa certa, ou seje, tá de namoro, de amarração com home que te defende dos outro, dos picareta que quer te cobrar as dívida... Pro jantar do Anderssu, comprei um frango assado inteirinho, catei umas flor, acendi umas vela, fui lá chamar ele. Ele veio, nós se falemo, ele falou, eu falei, nos cumemo, eu comi, ele me cumeu, enfim..., a coisa tava peganu fogo. Não é que, no meio do rala-coxa, aquele calorzão que eu tava sentinu - oooooo homi bom!!! – não era exatamente por causa do Anderssu na cama me comenu... era a vela que tinha caído e fez o barraco pegar fogo mesmo. Eu corri, ele correu, nóis ainda pelado, os vizinho correro tudo... De repente aquele fogo foi se se espalhano, se espalhano pelos barraco, tudo uma fumaceira de dá dó! E na confusão eu me perdi do Anderssu. Tava o povo todo da favela num corre-corre de meu deus e de repente eu tive uma ideia. Sumir de lá! Sumi, mas sumi que desapareci toda e sube que me deram como morta. Morta queimada. Como Deus é pai achei que aquela tragédia era minha sorte. Morta num paga as dívida. Fiquei quietinha no meu canto, no barraco da minha amiga Odélia lá no Morro do Piolho, onde eu tinha deixado minhas criança. Vida nova, comunidade nova, me esqueceram! Foi como se eu fosse outra pessoa, aquela Maria não existe mais.

Tadinha, morreu! Hoje sou outra Maria mas Maria é o que não falta em qualquer favela, né não?

A única minha preocupação é que outro dia eu tava no centro da cidade e me dei de cara com o gerente da agencia do banco de lá do Capão. Ele ficou me encarano, me encarano e eu só disfarçano, disfarçano. Mas num teve jeito, ele veio se achegano, se achegano... Eu fiquei com a espinha gelada, ai ele veio e me perguntou: “Oxi, você não é a Maria, deus do céu?” e eu respondi “Maria, qual Maria?; aí ele perguntou “Como qual Maria? A Maria que morreu no incêndio!”, aí eu respondi “Ué, mas se eu morri no incêndio, como é que eu tava aqui?” E ele insistia “É a Maria, sim” e eu respondia “Sou a Maria, não” e ele repetia “É a Maria, sim” até a hora que eu disse “Óli, seu moço, Maria aqui todo mundo é. O senhô me dê licença que eu tenho mais o que fazê.” Ele então disse “Jesus tome conta, é a Maria mesmo, você não morreu... Você é a Fênix!” Aí eu disse: “Fe... Fe... Felix? A bichinha da novela? O senhor tá delirano...” Aí ele virou e disse “Fênix, a que ressurgiu das cinzas!” E eu “Óliaqui, seu moço, eu não sei que moça cinza é essa que o senhor tá falano, mas eu não sou ela não e nem num me queimei. Sai de retro satanás porque o sangue de Jesus tem poder!" E fiz bem cara de brava. O homem saiu meio ressabiado mas acho que eu consegui disfarçar, imagina se ele me dedura? Eu tinha que pagar tudo o que devo, aí sim eu morro mesmo.

Sobre essa tal Fênix do morro, sei quem é ela não, mas isso foi bom pr´eu aprender a ficar ligada. É o que eu sempre me digo pra eu poder me ouvir “Se liga, Maria, se liga!”

Se oceis tiver roupa suja pra lavar, me manda, sou limpinha, lavo e quaro. Afinal roupa suja se lava fora de casa. Valeu, meu povo!